Contos sem Reis
Exposição Individual
Casa França Brasil, Rio de Janeiro, Brasil, 2013
Nesta exposição, o artista apresenta uma série de trabalhos que exploram a construção de uma identidade nacional brasileira e que gira em torno da história da Casa França Brasil. Laércio usa o edifício sede da instituição, o mais importante exemplo da arquitetura neoclássica da cidade, projetado pelo arquiteto da Missão Francesa Grandjean de Montigny, como um símbolo do Rio de Janeiro. Em 1820, a casa serviu como a primeira Praça do Comércio e foi inaugurado pelo Rei Dom João VI. Quatro anos mais tarde, quando o Brasil ganhou a sua independência, o Imperador Dom Pedro I transformou o edifício em Alfândega. Posteriormente, o edifício foi usado para várias finalidades, até que foi finalmente restaurado na década de 80 e convertido à sua função atual de centro cultural em 1990. A exposição Contos sem Reis não só estabeleceu um diálogo entre a arte contemporânea e a arquitetura neoclássica do edifício, como também refletiu criticamente sobre o edifício e seu entorno: o centro da cidade do Rio de Janeiro – em um momento de grandes transformações urbanas.
No salão principal foi apresentada a obra Ponto Cego, uma estrutura de madeira onde que se lê a palavra REVOLVER (no sentido de investigar, examinar). Feita com pequenas ripas de madeira, a peça mede 12 m de largura por 4 m de altura. Dependendo do ponto de vista do espectador no espaço, a palavra ganha ou perde legibilidade. A construção da palavra e a ilusão de sua desconstrução sugerem a fissura na história e a relação entre ausência e presença, cujo significado se reforça ao expor uma falha a ser preenchida pelo observador. Ponto Cego conta ainda com alto-falantes nas laterais da sala principal, emitindo um texto escrito pelo próprio artista sobre a passagem do tempo e as relações entre a história e arquitetura da cidade. Para ouvir o texto clique aqui.
A instalação tem ainda mais um componente, uma escultura com um espelho convexo na antiga entrada original do edifício.
Na primeira das salas laterais da Casa, Redondo apropriou-se de imagens do livro “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, do artista francês Jean-Baptiste Debret (1768 -1848), para construir três outros trabalhos interligados. Reconhecido por ter sido um minucioso observador da sociedade brasileira da época e importante membro da Missão Francesa de 1816 ao lado do arquiteto Montigny, Debret aparece como um agente e testemunha privilegiado das transformações econômicas e sociais do Rio de Janeiro no início do século XIX.
Uma das obras, Paisagem Impressa, constitui-se de um arquivo ou uma biblioteca de referência que pode ser consultado pelos visitantes. São 77 bancos de madeira que tiveram a superfície de assento impressas com paisagens de Debret sobre o Rio de Janeiro. Na parte inferior de cada banco, havia um livro ou texto sobre visões da cidade, indicado por convidados do artista, de várias áreas de atuação e formação, criando assim uma nova paisagem contemporânea do Rio. Neste espaço também foi realizado um seminário multidisciplinar acerca das transformações urbanas no Rio de Janeiro de ontem (séculos XIX-XX) e hoje.
Na obra Fica triste se és capaz e verás, o artista recompõe uma cena de carnaval de Debret de 1823 e acrescenta ainda uma pilha de confetes feitos de jornal que se encontrava no canto da galeria. Esta pilha, aumentava diariamente, por conta dos confetes adicionados ao longo do período da exposição. O artista explica: “o deslocamento da notícia diária fragmentada, transformada em confete refere ao descompasso com a imagem do Rio de Janeiro, apresentada como cidade idealizada, nesse período de grandes mudanças na sua malha urbana.”
Cenas de vendedores de rua retratados por Debret são também o ponto de partida para o terceiro trabalho da série. Em Venda – jogo de memória falha, Redondo contrasta imagens do artista francês com imagens de vendedores de praia atuais, cada um dos nove painéis de madeira tem impressões de ambos os lados. Os visitantes podiam manipular os painéis, mas as duas imagens não podiam nunca ser vistas ao mesmo tempo. Posturas corporais semelhantes eram no entanto, reconhecíveis neste jogo de memória falha, sugerindo relações sociais e de desigualdade que persistem até os dias de hoje.
Em complemento às imagens de Debret com suas representações afrobrasileiras e completando a exposição, a obra Carmen Miranda – Uma Ópera da imagem foi apresentada na segunda galeria lateral. O projeto relaciona-se com a imagem de Carmen Miranda, cantora de samba luso-brasileira, atriz da Broadway e de Hollywood, estrela de cinema durante os anos 30 até os anos 50. Sua carreira artística começou no Brasil e em seguida, continuou nos Estados Unidos com grande sucesso internacional. Carmen Miranda criou seu personagem, fazendo uso do auto-exotismo, o exotismo da América do Sul, com uma sensualidade temperada pela caricatura, com roupas extravagantes, balangandãs e turbantes multicoloridos que têm origem na indumentária afro-brasileira.
A escultura sonora (em colaboração com a filósofa Márcia Sá Cavalcante Schuback) aborda os problemas da representação através do corpo performático de Carmen Miranda. Um organismo público que também se torna político, marcado pelas controvérsias entre Brasil e Estados Unidos durante a década de 1940.
A imagem de Carmen é traçada por meio de categorias de deslocamento. Pode ser lido como um corpo que possui e revela as fantasias e ansiedades da ideologia dominante em relação ao gênero, diferença sexual e étnica, que revela e esconde as mensagens conflitantes de gênero. Alegoricamente, desde então, ela também tem alimentado uma imagem ou “interpretações carnavalescas” dos trópicos ao longo dos tempos nos quatro cantos do mundo. Carmen Miranda e seu estilo eclético é considerada uma precursora do Tropicalismo no Brasil.