Relance

Exposição individual
Pinacoteca de São Paulo, Brasil, 2018

Relance/Recast - após Estevão Silva / Natureza morta. Vista geral do Octógono.
Retrate/Render. Detalhe do display
Reprove/Reject. O Nacional na Arte, sala 11, vista geral.
Detalhe do material impresso com os cartões.

A exposição Relance é uma investigação de interpretações possíveis para uma outra narrativa da história do Brasil. Tais possibilidades foram apresentadas na forma de experiências olfativas, conectadas com obras e espaços da coleção da Pinacoteca de São Paulo, cuidadosamente selecionados pelo artista em conjunto com historiadores da arte. O trabalho dividiu-se em 15 intervenções que ocuparam o Octógono e também diversas salas do acervo permanente do museu.

Para a intervenção no Octógono, Laercio Redondo partiu de uma peculiar anedota em torno do artista Estevão Silva (c.1844-1891), o primeiro pintor de ascendência africana a frequentar a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Ao apresentar seus quadros de natureza-morta, Silva acrescentava escondidos por trás dos quadros, espécimes das frutas e flores representadas, de modo que seu cheiro também fazia parte da experiência das pessoas que observavam as pinturas. Esse foi o ponto de partida para a criação do “diálogo olfativo” da exposição, para além do visual e do textual.
Esse diálogo olfativo com a narrativa da história da arte brasileira segue por outras 14 salas do museu, onde o artista instalou displays posicionados estrategicamente próximos a obras de artistas da coleção permanente, como Anita Malfatti, Almeida Júnior, Claudia Andujar, Maria Martins etc. Cada display exibiu cartões impregnados com um odor específico, criados exclusivamente para a exposição e relacionados às obras com as quais cada intervenção dialoga. Assim, por exemplo, o diálogo com o quadro “O caipira” de Almeida Júnior (1850-1899) tem odor de faca amolada e o texto do cartão expositivo alude à complexa figura do “pacato” caipira, que “carrega em si a força contraditória do Bandeirante”. Ao longo do percurso da exposição, os cartões podiam ser colecionados pelos visitantes e reunidos em uma publicação, contendo textos criticos sobre o trabalho, proporcionando assim ao público a oportunidade de levar consigo um registro da visita.

Aplicando uma estratégia semelhante, nos diálogos com o acervo em que o artista buscou enfatizar uma determinada ‘falta’ na coleção, não há odor, apenas o cartão expositivo com o texto que suscita tal lacuna, acompanhado de  serigrafias em monocromo preto, impressas em plywood que reproduzem imagens dessa falta. Assim, por exemplo, o pouco conhecido artista de origem afro-brasileira, Emmanuel Zamor, aparece retratado em relação ao acervo da sala “Ensino Acadêmico”, onde o material de trabalho de artistas conhecidos, como Bernardino de Souza, Clodomiro Amazonas e Rodolpho Bernardelli, estão expostos. Zamor, um menino baiano supostamente filho adotivo de um casal de franceses, frequentou a famosa Académie Julian de Paris no séc. dezenove e desapareceu da história, sendo parcialmente redescoberto nos anos 80 no Brasil.

Sob a luz, o preto sobre o preto dos monocromos adquire uma tonalidade quase prateada, curiosamente à semelhança dos daguerreótipos que inspiraram o artista na criação das serigrafias. Para que se possa ver a imagem impressa nelas é preciso que o espectador movimente o corpo em relação à obra.

A curadora da mostra, Fernanda Pitta, comenta que “o odor está neste trabalho de Laercio Redondo como um ponto de partida para o desenrolar de histórias de rastros, restos, apagamentos e retornos”, e acrescenta: “o privilégio dado ao sentido do olfato é uma estratégia de ativação, de libertação, de outras memórias, permitindo outras interpretações. Redondo, que sempre tem trabalhado com procedimentos de erosão, de revolvimento e reconfiguração das imagens, desta vez estende ao limite a sua iconoclastia, numa atitude que lhe pareceu necessária para escapar ao poder normalizador das imagens”.

Todas as 15 narrativas propostas pelo artista congregam-se sob o título da exposição, Relance, emprestado da canção de Caetano Veloso. O artista buscou provocar um desvio crítico do valor simbólico e dos significados comumente atribuídos a determinadas, obras do acervo, desencobrindo, revelando, contrastando, mas sobretudo, sustentando perguntas sobre a tradicional narrativa da arte, que para o artista também é a narrativa da história do Brasil.

 

Colaboradores:

Textos: Fernanda Pitta, Kaira M. Cabañas, Daniel Lima, Soraya Guimaraes Hoepfner e Laercio Redondo.
Fragrâncias: Drom Fragrances, direção olfativa; Matthieu Ferreira, Renata Abelin and Kelly Medeiros
Design da exposição: Birger Lipinski
Material Gráfico: Anja Lutz
Fotos: Isabella Matheus, Levi Fanan
Video: Matthieu Rougé